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Consórcio de carro vira casa, poupança e moeda de troca
Entidades querem "fazer girar" 240 mil cartas de crédito paradas; em vez de adquirir zero-quilômetro, donos preferem resgatar dinheiro, comprar um usado ou revendê-las
Para estancar o sangramento na venda de carros novos em 2015, com queda de quase 20% de janeiro a abril na comparação com 2014, três entidades ligadas ao setor automotivo -- Anfavea (associação das fabricantes), Fenabrave (federação dos concessionários) e Abac (associação das administradoras de consórcios) se uniram para montar estratégias para chamar o comprador de volta às lojas. A principal tenta estimular um tipo de consumidor nem sempre valorizado: aquele que apostou no consórcio para obter seu zero-quilômetro.
Trata-se de um público nada desprezível: as entidades calculam que cerca de 8% de todas as vendas de carros de passeio são feitas através de cartas de consórcio. A situação econômica atual deixa o cenário ainda mais peculiar: cerca de 240 mil pessoas já têm a carta de crédito liberada em mãos, mas decidiram não fazer uso dela para comprar um automóvel. Para convencê-las a fechar negócio, uma das iniciativas do setor é o chamado
Festival do Consorciado Contemplado.
Iniciada nesta semana, a campanha terá duração de 45 dias e participação de 16 montadoras. Algumas já divulgam pacotes de ofertas: a Volkswagen oferece R$ 500 de desconto para qualquer consorciado, sendo R$ 1.000 para participantes do Consórcio VW e mais R$ 1.000 se o modelo escolhido for o Gol. Fiat e Nissan também darão bônus de R$ 500 a R$ 1.000 em toda a linha.
"Queremos fazer o mercado girar", afirmou o presidente da Fenabrave, Alarico Assumpção Jr., que espera adesão de "50 a 60 mil pessoas" até o fim da campanha.
Mas, afinal, por que há tantas cartas de crédito "paradas" na praça? UOL Carros conversou com vários especialistas e mapeou diversos fatores.
Vou ter dinheiro para manter?
Um dos principais fatores para se "engavetar" a carta de crédito parece contraditório: nem sempre quem faz um consórcio está mesmo interessado em comprar um veículo. "Muita gente vê o consórcio como uma espécie de poupança", apontou o consultor automotivo Paulo Garbossa.
Em outras situações, o objetivo é realizar o sonho do carro zero, mas a realidade financeira trava a negociação. "Os gastos com carro vão muito além do preço: tem combustível, manutenção, impostos, estacionamento. Algumas pessoas só se dão conta disso quando têm a carta na mão, e hesitam em comprar ao se dar conta", destacou o economista Samy Dana.
A jornalista e escritora Patrícia Lages, que é dona de um blog sobre finanças pessoais, resgatou três cartas de crédito de automóvel em dinheiro e usou para comprar e reformar um imóvel
No caso da jornalista e escritora Patrícia Lages, a desistência veio com uma mudança de planos. Contemplada em três consórcios diferentes, mas sem intenção de trocar seu veículo, ela preferiu usar as cartas de crédito para pagar e reformar um imóvel. "Só descobri que podia fazer isso quando a primeira completou 180 dias [de término do contrato], e a própria administradora me ligou e ofereceu a retirada em dinheiro. Depois disso, resolvi usar as outras para a mesma finalidade", contou.
Tem também quem aproveite o dinheiro para adquirir um modelo usado de valor equivalente, muito mais bem equipado. Por fim, há um amplo mercado informal no qual consorciados já contemplados tentam revender suas cartas a terceiros, mesmo antes de quitá-las. "O sujeito recebe à vista o que já pagou, para ter dinheiro vivo antes do fim do plano, e o comprador assume o restante das parcelas", explicou Dana.
Mudanças no mercado
Diante de tantas situações, tem como o festival de Anfavea, Fenabrave e Abac vingar? Para Paulo Garbossa, sim. "Se a ação mobilizar 10% dos contemplados, já terá surtido efeito. Mas o mais importante é mostrar que o setor está empenhado em recuperar a confiança do consumidor", salientou o consultor. "Até quem não tem consórcio pode ser incentivado a fazer um", acrescentou.
Na visão de Samy Dana, o sucesso depende de como as fabricantes divulgarão a campanha. "Elas têm que fazer um trabalho de marketing ativo em cima. Além de propagandas, ligar para os consorciados e falar das ofertas", disse.
Já o especialista do setor e colunista de UOL Carros, Fernando Calmon, vê a iniciativa como uma solução que não resolve o problema de maneira definitiva. "No passado, o consorciado era obrigado a retirar o veículo até 90 dias após ser contemplado. Talvez seja hora de repensar uma medida como essa", sugeriu.